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O diploma de jornalismo em questão

Vários professores da Facomb/UFG manifestaram indignação diante da decisão do Supremo Tribunal Federal que extinguiu a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão no Brasil.

A Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da UFG instiga o debate sobre a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, e convida os interessados a enviar textos que discutam essa questão. Este espaço está aberto para manifestação pública.

Abaixo, confira artigo do professor Édson Spenthof, do curso de Jornalismo da Facomb/UFG.

Supremo julga jornalismo pelo que ele não é e atribui superpoder de regulação às empresas do setor

 
Edson Luiz Spenthof*
        

         Duas premissas equivocados constituíram a base de argumentação do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo, do Ministério Público Federal e de oito ministros do STF para derrubar a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Com premissa errada, a conclusão só poderia repetir erro.

         A primeira é a de que a atividade profissional do jornalista seria a do exercício da opinião, cujo direito estaria, portanto, impedido pela exigência de qualquer diploma. Assim, o jornalismo foi julgado pelo que não é.

         O jornalismo opinativo faz parte da fase embrionária da imprensa. Na atualidade, porém, o jornalista produz informações novas (conhecimento) acerca da realidade e faz a mediação das diversas opiniões sociais que disputam visibilidade na esfera pública. Por dever ético e eficácia técnica, ele não expressa a sua própria opinião nas notícias e reportagens que escreve.

         Trata-se de atividade profissional, remunerada, e não gozo de direito fundamental, o que torna a medida do STF, além de equivocada, ineficaz. Mas ela teve uma consequência ainda pior, caminhando no sentido contrário ao anunciado: eliminando a necessidade não só de qualificação, mas também de fiscalização e registro em órgão de Estado (Ministério do Trabalho), o Supremo acabou com qualquer proteção ao cidadão, transferindo o poder de regulação para as empresas do setor.

         E se o jornalista passou a ser aquele que meramente expressa a sua opinião, quem provê a sociedade de notícias e intermedeia as opiniões sociais? Destituindo essa função de qualquer requisito em termos de conhecimento, a decisão do STF criou séria restrição a outro direito humano fundamental, o de receber informações de qualidade, um direito-meio para o pleno exercício da cidadania.

         A segunda premissa equivocada é a de confundir diploma com “restrição de acesso”. O critério para decidir se um diploma deve ser obrigatório não é, como disseram os ministros, a capacidade inequívoca, cristalina, para evitar erros e danos à sociedade, porque nenhum diploma garante isso. Prova disso são os inúmeros erros médicos, jurídicos e de engenharia cotidianamente noticiados. Em vez disso, o critério mais adequado é a capacidade efetiva de um curso para qualificar serviços fundamentais para os indivíduos e para as sociedades, como é o jornalismo nas complexas sociedades contemporâneas.

         Na verdade, o diploma universitário democratiza o acesso à profissão, na medida em que se dá não pelo poder discricionário do dono de mídia, mas via instituição de ensino, que tem natureza pública e cujo acesso, por sua vez, se dá mediante seleção pública (vestibular) entre todos os pretendentes à determinada profissão. Pelo menos era assim também no jornalismo até o fatídico 17 de junho de 2009. Se há problemas com a água do banho, não podemos jogar fora também o bebê (o espírito da seleção pública e democrática e a própria formação).

         Ao contrário disso, e junto com a revogação total da Lei de Imprensa, dias antes, o fim do diploma deu poder absoluto aos empresários do setor sobre a imprensa no Brasil. Nada mais avesso aos anseios dos cidadãos brasileiros, que se preparam para discutir, na Conferência Nacional de Comunicação, como limitar o poder dos donos de mídia.

         Com isso, o Brasil retrocede nos dois sentidos: o jornalista, entregue ao domínio do empregador, deixou de ser, para meramente estar (jornalista), a depender da situação conjuntural de possuir um contrato de trabalho, e o dono de mídia abocanha também um poder da sociedade, o de órgão regulador.

         Mas o duro golpe recebido com tamanha desqualificação da atividade (até mesmo por envergonhadas empresas de comunicação) não deve nos levar a desistir. Uma das formas de luta, agora, passa a ser a própria Conferência Nacional de Comunicação, em que a importância e a singularidade do jornalismo como forma de conhecimento e de mediação social tem de ser por nós demonstrada. Afinal, alguém imagina as complexas relações sociais atuais sem o jornalismo? Esse é um debate da sociedade e não só de quem sobrevive da atividade.

         É o momento, também, para assumirmos e defendermos, sem culpa, a linha de afirmação dessa identidade e especificidade do jornalismo que até agora norteia, no âmbito do MEC, o debate nacional em torno das novas diretrizes curriculares para o ensino de jornalismo.

         Só conseguiremos reverter as consequências negativas do 17 de junho se houver ainda mais investimento pessoal e coletivo de estudantes, profissionais, professores, pesquisadores e escolas de jornalismo na própria formação e nessa afirmação também qualificada do campo do jornalismo, em cursos de graduação, mestrado e doutorado inequivocamente estruturados sobre a natureza da atividade, a partir da qual se organiza a sua necessária relação com as demais áreas profissionais e do conhecimento.

         Precisamos continuar demonstrando para os ministros do Supremo, como já o fizemos diversas vezes, mas também para a sociedade, que todos os seres humanos são comunicadores, e podem expressar a sua opinião, na medida em que isso é inerente à condição humana. E que os jornalistas são os primeiros a valorizar e defender essa condição e esse direito. A história confirma isso.

         Contudo, a comunicação jornalística constitui um campo singular, e mantém com a sociedade um contrato específico, que gira em torno da prestação do serviço público de mediação do debate social e da produção cotidiana de um conhecimento novo (informação) a respeito da realidade. Trata-se de algo bastante distante da simples expressão da opinião, e que também não se confunde com ficção, publicidade e entretenimento.

           

*Edson Luiz Spenthof é jornalista formado pela UFG, professor de Jornalismo na mesma instituição desde 1996, pesquisador em jornalismo, presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás

 

 

Abaixo, confira artigo do professor Magno Medeiros, publicado no jornal O Popular do dia 22/06/09.

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Os equívocos do STF

Magno Medeiros

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal de extinguir a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão causou perplexidade. Sobretudo, pela falácia do argumento principal, exposto pelo ministro Gilmar Mendes, relator do Recurso Extraordinário (RE) 511961, em que se discutiu a constitucionalidade da exigência do diploma.

Segundo Mendes, o Decreto-Lei 972/1969, que determina a obrigatoriedade do diploma, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e as suas exigências ferem a liberdade de imprensa e contrariam o direito à livre manifestação do pensamento.

Ora, a nosso ver, não há nenhuma incompatibilidade entre a exigência do diploma de jornalista e a liberdade de imprensa. Ao contrário, os jornalistas sempre foram os que mais defenderam a liberdade de imprensa. Para esses profissionais, limitar as liberdades individuais e sociais significa impor a censura, que é refratária, por essência, à prática do jornalismo.

Por outro lado, a exigência do diploma em nada limita a livre manifestação do pensamento e a liberdade de expressão, direitos fundamentais da civilização, reiterados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Isso porque não há nenhum impedimento – nem legal e nem normativo – para quem quer que seja em escrever em jornais e revistas. Para isso, existem espaços apropriados para artigos, entrevistas e seções editoriais. Além do mais, a legislação autoriza a concessão de espaço para atuação de colaboradores, inclusive para aqueles com conhecimentos específicos em determinada área, de modo a garantir a liberdade de expressão, a pluralidade de ideias e o aprofundamento em temas especializados. Por fim, permite-se também, legalmente, a figura dos provisionados, autorizados a exercer o jornalismo onde não houver jornalista profissional formado nem faculdade de Comunicação. Portanto, a tese de restrição à liberdade de imprensa e de livre manifestação do pensamento é profundamente equivocada.

No debate travado na Suprema Corte, devemos prestar atenção na voz dissonante do ministro Marco Aurélio, para quem não há, efetivamente, nenhuma inconstitucionalidade em se exigir o diploma de jornalista para o exercício profissional, uma vez que a exigência de formação superior específica não implica cerceamento da liberdade de expressão. Além do mais, é preciso considerar que a extinção dessa exigência acarretará o aviltamento da profissão e a precarização das condições de trabalho nos meios de comunicação. Tem razão o ministro ao reconhecer que a obrigatoriedade do diploma está em vigor há 40 anos e que, nesse período, a sociedade se organizou para dar cumprimento à norma, com a criação de faculdades de jornalismo. “E agora chegamos à conclusão de que passaremos a ter jornalistas de gradações diversas. Jornalistas com diploma de curso superior e jornalistas que terão, de regra, o nível médio e quem sabe até o nível apenas fundamental.”

Recurso Extraordinário, interposto pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo e pelo Ministério Público Federal de São Paulo, deve ser questionado a partir de sua motivação original: a quem interessa o fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista? A resposta é óbvia: interessa a alguns setores empresariais, que não estão preocupados com questões referentes à liberdade de expressão, mas com o amparo legal para contratar profissionais de quaisquer níveis, inclusive de ensino médio e fundamental.

Alguns setores querem desregulamentar a profissão e, para isso, recorrem a argumentos ideológicos, confundindo direito de expressão com exercício legal da profissão. Ora, direito de expressão consiste em uma condição inalienável da cidadania.

Entretanto, é preciso deixar claro que o exercício do jornalismo deve seguir princípios éticos e procedimentos técnicos imprescindíveis à prática profissional, de modo a se garantir, efetivamente, a qualidade da informação noticiosa. O jornalista profissional, assim, é o mediador do processo de comunicação, no qual ele apura os fatos e suas variadas versões, seleciona as fontes com isenção e pluralidade, relata as notícias com responsabilidade social, desenvolve técnicas de edição e editoração, pondera e articula redes de conflitos e interesses diversos, sempre – como deve ser – à luz da ética, da transparência e do interesse público. Trata-se, sim, de se defender a qualidade da informação, tão almejada pela sociedade.

Magno Medeiros, doutor pela USP, é jornalista e professor da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da UFG

Abaixo, confira texto da professora Flora Ribeiro, do curso de Jornalismo da Facomb/UFG, questionando a deliberação da Suprema Corte.

O STF e o diploma de jornalista

             A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a não obrigatoriedade da exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão no Brasil é algo que, para além do impacto institucional do curso de jornalismo na Facomb e do ferimento das suscetibilidades e vaidades, nos conduz à reflexão sobre a apreensão equivocada e superficial que a Suprema Corte tem em relação ao que é jornalismo. A discussão, infelizmente, não encontrou ambiente para o necessário pensamento sobre qual é a importância social do jornalismo. A Academia lamenta profundamente que o debate não tenha conseguido sensibilizar as autoridades jurídicas sobre o caráter humanístico do jornalismo e o reflexo da profissão na condução de uma sociedade mais esclarecida. Trata-se de uma profissão que está diretamente ligada aos interesses sociais a partir do momento que reporta a realidade em que a sociedade está inserida e as implicações dessa realidade nas vivências. Assim, mesmo no limite da discussão pragmática da prática jornalística, deveria estar posta a preocupação sobre a consequência do que é notícia. Embora haja um reconhecimento do sucateamento do ensino e uma qualidade que deixa a desejar dos cursos superiores de jornalismo, a formação em jornalismo é inegável para o exercício ético e responsável da profissão dado ao conhecimento específico das diversas áreas do saber por qual o acadêmico do curso se insere.

            A riqueza desse conhecimento na Academia é o que oferece ao futuro profissional uma condição crítica para que seja capaz de reportar a realidade de maneira a contribuir para uma sociedade mais humana, entendendo que a reflexão conduz ao questionamento. A discussão sobre o diploma tem a ver com o debate do papel social do jornalismo como instância de saber capaz de influenciar consciências mais críticas e que o mau exercício da tarefa implica em danos sociais quando minimiza a possível leitura não alienada dessa realidade. Não se trata, portanto, apenas da defesa de uma profissão, mas do interesse universal de humanização de uma sociedade adaptada às determinações alienantes de um sistema posto como de interesse universal, mas que atende interesses particulares.

            O descortinar do olhar social para uma realidade que na aparência imediata se põe de maneira inquestionável é um dos papéis relevantes do jornalismo. Essa é uma discussão inerente ao ensino do jornalismo que ultrapassa a visão superficial da prática jornalística como mera atividade da escrita. Há por dentro do fazer jornalismo a construção de uma carga teórica que propõe, de maneira séria e compromissada, a prática transformadora da realidade.

            Dessa maneira, o compromisso da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (Facomb/UFG) tem sido no esforço de formar jornalistas capazes de contribuir de maneira crítica na melhoria da realidade que o cerca, e isso é construir a história. A banalização da profissão do jornalismo implica, portanto, na desvalorização da busca do saber epistemológico, que nega a construção do conhecimento como algo importante para o desenvolvimento de uma sociedade. A prática do jornalismo a partir da visão míope do “saber escrever” apenas, de fato, não necessita de diploma.

            Ao insistir na exigência do diploma de jornalismo, a Facomb não defende apenas o interesse de uma categoria, mas o interesse social. Por outro lado, é pertinente observar que a sociedade pode até não perceber a importância do jornalismo dessa maneira. Nesse caso, ainda há a necessidade da discussão ser mais clara e envolver os diversos segmentos da sociedade, entendendo que só há mudança quando há mobilização social. Nesse caso, a perda não se limita ao campo acadêmico, mas há que ampliar o debate nos meios sociais para que haja essa conscientização. Nesse contexto, a decisão do STF é também um cutucão na arrogância jornalística, de uma categoria que do alto da sua dita “auto-suficiência” não consegue se organizar a ponto de fazer valer a força que tem. Dessa maneira, esse é também um momento de auto-reflexão. Ou seja, até que ponto o jornalista de fato tem contribuído para a formação de consciências mais humanas e libertadoras. Entre tantas razões e tantos interesses que permeiam a decisão da Corte, a fragilização da profissão encontra campo fértil no próprio exercício da profissão. Nesse sentido, a Facomb manifesta sua indignação diante da decisão do STF, ao mesmo tempo em que se sensibiliza para a necessária auto-crítica que deve partir de dentro do âmbito jornalístico.

 

Flora Ribeiro é professora do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da UFG   

 

 

    

 

 

 

 

 

 

Fuente: Facomb/UFG